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Dois Papas da Netflix: o que é real e o que é ficção neste filme indicado ao Oscar

Saiba o que é real e o que é ficção no filme Dois Papas da Netflix, longa que foi indicado em três categorias do Oscar 2020.


O filme Dois Papas (2019), dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e disponível na Netflix, propõe uma narrativa envolvente sobre a relação entre Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e Jorge Mario Bergoglio (Papa Francisco).

Inspirado em eventos reais, o longa explora os bastidores do Vaticano, a renúncia de Bento XVI e a ascensão de Francisco ao papado, e foi indicado em três categorias do Oscar em 2020.

No entanto, o filme mistura fatos históricos com licenças poéticas, criando um retrato que nem sempre corresponde à realidade. Mas o que, de fato, aconteceu e o que foi dramatizado para a narrativa?

O conclave de 2005 e a eleição de Bento XVI

A história de Dois Papas começa com o falecimento de João Paulo II e a eleição de seu sucessor no conclave de 2005.

Dois Papas da Netflix o que é real e o que é ficção

O filme mostra Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) como favorito e Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) como seu principal oponente, chegando a receber uma quantidade significativa de votos.

O que é real?

De fato, Bento XVI era o candidato mais forte e venceu a eleição com maioria absoluta após quatro rodadas de votação. Como mostrado no filme, Bergoglio ficou em segundo lugar, embora nunca tenha feito campanha para o cargo.

O que é ficção?

A ideia de que Bergoglio lamentou o resultado e que houve uma forte articulação interna contra sua candidatura não tem comprovação.

O sigilo do conclave impede que detalhes sobre as votações sejam divulgados oficialmente, e os diálogos entre os cardeais foram dramatizados para dar mais profundidade à trama.

Os encontros entre Bento XVI e Bergoglio

Grande parte do filme gira em torno de conversas fictícias entre os dois líderes religiosos.

Dois Papas retrata longos diálogos entre Bento XVI e Bergoglio antes da renúncia do papa alemão, mostrando momentos de tensão, confissão e até uma partida de futebol assistida juntos.

O que é real?

Ambos se encontraram algumas vezes após a eleição de Francisco, e há registros de interações respeitosas entre eles.

O que é ficção?

A grande conversa na residência de verão de Bento XVI, que ocupa boa parte do filme, nunca aconteceu.

Bento XVI nunca chamou Bergoglio para discutir sua renúncia nem sugeriu que ele fosse seu sucessor. O enredo foi criado para dramatizar a transição entre os dois papados e aprofundar o contraste entre suas personalidades.

Outro elemento fictício é a cena em que Bento XVI se confessa para Bergoglio na Capela Sistina, insinuando uma crise de fé e culpa. Esse evento nunca foi registrado publicamente.

A aposentadoria de Bergoglio e sua viagem ao Vaticano

No filme, Bergoglio deseja se aposentar e viaja até Roma para pedir a aprovação de sua renúncia pessoalmente. Ele supostamente escreve diversas cartas para Bento XVI, que nunca responde.

O que é real?

É verdade que, ao completar 75 anos, Bergoglio enviou sua carta de renúncia ao Vaticano, como exige o Direito Canônico para bispos. No entanto, Bento XVI recusou sua aposentadoria.

O que é ficção?

O filme sugere que Bergoglio fez uma viagem pessoal a Roma para cobrar uma resposta, o que não aconteceu. Esse pedido foi tratado via nunciatura apostólica, sem necessidade de encontros presenciais.

O escândalo “Vatileaks” e a renúncia de Bento XVI

Um dos eventos reais abordados no filme é o escândalo “Vatileaks”, no qual documentos confidenciais do Vaticano foram vazados, revelando corrupção, chantagem e escândalos sexuais dentro da Igreja Católica.

Em Dois Papas, isso aparece como um dos fatores que levam Bento XVI a abdicar do cargo.

O que é real?

O escândalo “Vatileaks” de fato ocorreu em 2012, e os documentos vazados pelo mordomo Paolo Gabriele expuseram problemas internos da Igreja.

O que é ficção?

O filme sugere que Bento XVI teve uma crise de fé e culpa após os escândalos, o que nunca foi confirmado oficialmente. O motivo oficial para sua renúncia foi “falta de forças físicas e mentais” para conduzir a Igreja.

Bergoglio e a ditadura na Argentina

Dois Papas dedica um tempo significativo ao passado de Jorge Bergoglio durante a ditadura militar argentina (1976-1983), mostrando sua relação ambígua com o regime e seu esforço para proteger padres perseguidos.

O que é real?

Bergoglio foi chefe dos jesuítas na Argentina durante o regime militar e ajudou algumas pessoas a fugirem do país.

O que é ficção?

A relação entre Bergoglio e os militares é um dos pontos mais controversos de sua biografia.

Ele é criticado por ter supostamente removido a proteção eclesiástica de dois padres jesuítas, o que levou à prisão e tortura deles. Bergoglio sempre negou as acusações, afirmando que fez o que pôde para ajudá-los.

O filme apresenta essa história de forma suavizada, retratando Bergoglio como um homem dividido entre deveres religiosos e sua consciência, sem entrar em detalhes sobre as acusações contra ele.

Momentos fictícios e licença poética

O diretor Fernando Meirelles e o roteirista Anthony McCarten tomaram diversas liberdades criativas para tornar o filme mais dramático e acessível. Entre os momentos que são completamente ficcionais, podemos destacar:

  • Bento XVI tocando piano para Bergoglio: Embora Bento XVI seja um amante da música clássica e tenha lançado um álbum gravado no Abbey Road, não há registro de que tenha tocado piano para Bergoglio.
  • Bergoglio e Bento XVI assistindo à final da Copa do Mundo de 2014: Francisco realmente é torcedor do San Lorenzo, mas Bento XVI não acompanhava futebol. Meirelles admitiu que a cena foi inserida como humor e licença poética.
  • Bergoglio terminando um noivado para se tornar padre: Na vida real, ele nunca teve um noivado formal. O que aconteceu foi uma paixão de infância, e Bergoglio chegou a escrever uma carta para uma menina dizendo que, se não se casasse com ela, se tornaria padre.

Apesar de apresentar momentos inspirados na realidade, Dois Papas não é um relato histórico preciso.

O filme usa os personagens reais para explorar um debate mais amplo sobre tradição versus modernidade na Igreja Católica, construindo um embate entre dois líderes com visões opostas.

Jornalista, ex-repórter do Jornal e Canal "O Repórter" e ator profissional licenciado pelo SATED/PR. Fã de Star Wars que não reclama de filmes da franquia (com exceção do episódio IX, porque tudo tem limite). Gosta de dramas com boas atuações, comédias que não seguem fórmulas e slashers com mascarados que continuam voltando, por mais que isso não faça o menor sentido. Sente falta das vídeo locadoras e prefere ouvir música por álbuns.